Ele chegou à minha casa antes das 8 horas. Até aí, tudo bem, né? Ele previa que ia trabalhar muito pra ganhar um troco inversamente proporcional! Ficou toda a manhã tentando desvendar de que lado ia um e outro parafuso. Foi empenhado nas tentativas várias. Ao meio-dia me sugeriu que fôssemos almoçar e prometeu retomar a labuta no fim da tarde (porque havia outro "cliente" à sua espera). Não me opus.
Quando eram 4 da tarde, ele interfonou anunciando que já estava pronto para encarar o segundo tempo daquela batalha que travava contra os pedaços inflexíveis de madeira. Abro a porta e dou de cara com os dois. Ele trouxe reforço! Tive a impressão de que era um presente logo de cara! O cara alto, forte, boa pinta entrou sem cerimônia e foi logo dizendo que entendia do riscado. Contive o riso (misto de demonstração de aprovação e bandeira explícita de satisfação com aquela presença suntuosa dentro de casa). Deixei-os trabalhando na sala e me mantive reclusa na lida doméstica (também não queria desperdiçar o momento; eu passava uma pilha de roupas).
O clima pedia um contato mais descontraído... atravessei a sala e fui pôr um café pra coar na cafeteria elétrica da cozinha. Depois de pronto, ofereci a bebida aos dois como quem pede a aprovação de alguém por uma grande obra executada. Sentei na sala para tomar uma xícara e mantive o quanto pude aquele ar espontânea e deliberadamente desinteressado.
Não sei se "ele" (o ajudante) percebeu meu olhar sobre seus gestos ou se estava mesmo absorto e aparentemente mergulhado nos meus livros. Quando dei por mim, estava ele, estava eu, os dois perdidos entre os títulos que habitam os espaços encolhidos entre um romance e outro. Ele se virou, de repente, "não mais que de repente" e desabafou: "É difícil essa coisa de Literatura, né?". Não sei se ele percebeu a minha expressão diante daquela frase-constatação tão coerente! Só balancei cabeça em concordância. e ele prosseguindo: "Porque esses dias eu li o Dom Casmurro, todo mundo um dia tem que ler, então eu li. Mas não gostei. Acho que ele usa umas palavras muito difíceis. A gente tem que ir e voltar pra entender. Aí perde o interesse pela leitura, porque a gente não se prende na história." Concordei com todas os seus argumentos. Estava deslumbrada. E ele a completar sua explicação "li até o fim, mas não gostei." Eu tive de dar sequência àqueles pensamentos tão sensatos "eu também, na adolescência, tentei ler Macunaíma e detestei. Fiquei com nota vermelha e só fui mudar de ideia na faculdade..." fui dando toda a ficha sem me mostrar orgulhosa por ter estudado na USP, por estar me descobrindo "escritora" e ele, tão delicadamente me interrompeu para confirmar meu grande feito: Nossa! Você estudou na USP?! Parabéns!" Fiquei toda sem rumo, desconcertada. Achei melhor voltar à roupa por passar que me aguardava no outro cômodo. E antes de deixá-los na sala, eu sugeri a ele que tentasse ler poemas, que em geral são mais curtos e ri meio debochada e sarcástica. Apontei-lhe na outra estante os livros de poesia, segurei o meu e mostrei-lhe a capa brincando "pelo menos a capa deste é bacana". Ele riu. Eu saí dali, finalmente.Eles só me chamaram no fim do trabalho.
Ao saírem, ele me pediu um exemplar de "O texto sentido". Entrou no elevador com o livro aberto, dizendo "Nossa! Como você escreve bem! Seus poemas são lindos! Só paro de ler quando chegar ao fim! Parabéns!
Ao saírem, ele me pediu um exemplar de "O texto sentido". Entrou no elevador com o livro aberto, dizendo "Nossa! Como você escreve bem! Seus poemas são lindos! Só paro de ler quando chegar ao fim! Parabéns!
Nenhum comentário:
Postar um comentário